Lila
"A criança estava ali no alpendre às escuras, com os braços à volta do corpo para se proteger do frio, esgotada de tanto chorar e quase a dormir. Não conseguia gritar mais, e eles também não a ouviam ou, se ouvissem, isso tornaria tudo pior. Alguém tinha gritado, Calem essa coisa senão vou lá eu! e, então uma mulher puxou-a pelo braço de baixo da mesa, empurrou-a para o alpendre e fechou a porta, e os gatos foram para baixo da casa. Já não a deixavam chegar-se a eles porque às vezes ela agarrava-os pelo rabo. Os seus braços estavam cheios de arranhões, e os arranhões ardiam. (...) Porque é que estás sempre a bater à porta de rede? Ninguém vai querer-te por perto, se te portares assim. E a porta tornava a fechar-se e, passado um bocado, fez-se noite. As pessoas lá dentro tanto discutiram que acabaram por se calar, e foi noite durante muito tempo. Ela tinha medo de estar debaixo da casa e tinha medo de estar no alpendre mas, se ficasse ao pé da porta, talvez esta se abrisse."
A criança é Lila, a mesma que se casou com o pastor John Ames em Gilead. Se Gilead foi um dos melhores de 2015, Lila é, sem sombra de dúvida, um dos melhores de 2016.
Em Lila, acompanhamos o crescimento da pequena Lila, roubada a um destino (provavelmente) pior, por Doll e vagueando o país com um grupo de trabalhadores nómadas que tenta sobreviver à Grande Depressão.
Ficamos a conhecer a sua vida antes de conhecer o reverendo Ames, mais pormenores sobre como se casaram e sobre a sua vida em comum.
É um livro sobre a pobreza, sobre a solidão, sobre a desconfiança e insegurança que acompanham a pobreza e sobre o poder do amor e da generosidade.
Marilynne Robinson é magnífica e tornou-se uma das minhas escritoras preferidas.