Ao meu filho (Gilead) - Marilynne Robinson
Ontem à noite disse-te que posso ir desta vida um dia destes, e tu disseste Para onde, e eu disse Para estar com Deus, e tu disseste, Porquê, e eu disse, Porque sou velho, e tu disseste, Não acho que sejas velho. E puseste a tua mão na minha e disseste, Não és muito velho, como se isso resolvesse a questão.
É assim que começa a obra que venceu o prémio Pulitzer para ficção em 2005.
Jon Ames é um reverendo nascido em 1880, filho e neto de reverendos que em 1956 (aos 76 anos) começa a escrever uma carta para o seu filho de apenas 7 anos, com as suas memórias, sabendo que se encontra doente e no final da sua vida e com a consciência de que não irá acompanhar o crescimento do filho.
Lamento não ter quase nada para te deixar a ti e à tua mãe. Uns poucos livros velhos que mais ninguém havia de querer. Nunca ganhei dinheiro que se visse e nunca prestei atenção ao dinheiro que tinha. A coisa mais distante do meu pensamento era que fose deixar mulher e um filho, acredita. Teria sido melhor pai se o soubesse. Teria guardado alguma coisa para ti.
A preocupação de Jon Ames com a situação em que deixa ambos é bastante evidente, assim como a preocupação em deixar um retrato fiel de quem foi, quem foram as suas relações e do que a vida tem para oferecer.
A minha vida não se compara com a do teu avô. Obtenho muito mais respeito do que mereço. Isto parece bastante inofensivo na maior parte dos casos. As pessoas querem respeitar o pastor e eu não interfiro com isso. Mas desenvolvi uma grande reputação de sabedoria por encomendar mais livros do que alguma vez tive tempo para ler. E por ler de longe mais livros do que aprender neles alguma coisa útil, excepto é claro que alguns senhores muito enfadonhos escreveram livros. Isto não é nenhum novo entendimento, mas a verdade disto é uma coisa que é preciso experimentar para apreender completamente.
Graças a Deus por todos eles, sem dúvida, e por aquele estranho intervalo, que foi a maior parte da minha vida, em que li por solidão e em que uma má companhia era melhor do que nenhuma companhia. Pode-se gostar de um maus livro por ser infeliz, ou pomposo, ou bilioso, se tivermos esse apetite esfomeado pelas coisas humanas que eu desejo ardentemente que nunca venhas a ter.
Na página 61... completamente apaixonada.